26.11.10

Capitulo I - O sonho.

  "Arthur, Arthur Lisboa, 17 anos, produto da reação entre uma secretária e um motorista, como dizem por ai : o espermatozóide vencedor. Sou um personagem com personalidade própria, sou o prototipo da evolução." Acabou, chega.Já falei demais, falei até o que não deveria. Levantei, peguei o caderno e o maço de cigarro que estava no bolso esquerdo da mochila e sai, sai mesmo da sala. Eles não precisavam saber quem eu era, para que ? Sentei na grama, sob a sombra de um arvore frondosa que havia na área externa do colégio, acendi um cigarro e fiquei ali pensando qual o motivo dessas dinamicas de grupo, onde o objetivo é a integração social entre os alunos no inicio do ano. Eu era novo no colégio, no bairro e não fazia a minina questão de que os "novos" soubessem quem eu era, de onde vim, o que fazia, a única pessoa ali que eu devia o minimo de satisfação era Clara, uma amiga, nos conhecemos pela internet, através de blogs e por ironia do destino eu fui morar no mesmo bairro que ela. O tempo passava e eu continuei  com a mesma postura , bom dia ou boa tarde não fazia mal a ninguém, acho que era o máximo que eu conseguia falar com eles. Depois de algumas semanas ...


Março de 2008. Chovia, lá estava eu, escrevendo textos sobre coisas que aconteciam comigo há algum tempo e que continuavam a acontecer. Minha xícara de café já estava vazia, na mesa havia milhares de folhas de papel amassadas, nada que eu escrevia chegava a um padrão de perfeição estabelecido por mim. Sentia-me sozinho, eu estava correndo atrás do tempo que um dia o medo me roubou. Aquele dia estava estranho, um silêncio dentro de mim, o vento forte trazia lembranças, a chuva fazia com que escorresse pelo meu rosto lagrimas sem motivos, a cachoeira que fica em frente a minha janela transmitia sons perfeito, assim como uma sinfonia, junto aos pássaros. Levantei da cadeira, fui até a minha antiga estante de madeira puxei com rapidez um cd, bastante empoeirado, passei a ponta do lençol na capa para eu pudesse reconhecê-lo, e sim, era ele, “Enya”. Talvez não fosse o momento propício pra escutá-lo, mas algo em mim soava com mais intensidade, o sangue esfriava em minha pele, a imaginação fluía como se eu fosse escrever um livro.

Sentei novamente na cadeira e uma saudade repentina consumia meu coração. Fui até a sala, peguei meu celular determinado a ligar para ela, sabia que poderia não me atender, mas não custaria nada tentar, ainda com a mão tremula disquei o numero de sua casa, logo uma voz suave atendia dizendo educadamente: - Alô, Boa Noite. Naquele momento, fiquei afônico, a saudade repentina que consumia meu coração foi transformada em ansiedade, aflição, agonia, um conjunto de sentimentos e modos impossíveis de descrever. Desliguei o celular, assim como fiz outras vezes, me senti um covarde. Então resolvi fazer algo que mudasse completamente aquela situação, conversar com Clara, mas eu precisava conversar com ela naquele momento, era imediato. Desliguei o som, retirei o cd, guardei o cuidadosamente na capa, desci para tomar um banho, comer algo e sair, deixei um bilhete na porta da geladeira avisando a minha mãe que eu havia saído e voltaria o mais rápido possível, afinal, no outro dia eu teria aula às sete horas, precisava dormir cedo.

Vesti um casaco de lã azul, peguei um velho guarda chuva atrás da porta e fui à casa de Clara, ao longo do caminho passei por duas crianças, com idade entre quatro e cinco anos, deitadas sob uma única folha de papelão, passei direto, eu não podia fazer nada naquele momento, mal conseguia me proteger da chuva. Continuei andando, até que cheguei à casa de Clara; entrei e começamos a conversar sobre tudo que estava acontecendo comigo, sobre minhas confusões, minhas dúvidas, até que chegarmos ao assunto das duas crianças que eu tinha visto no caminho, só que já estava ficando tarde e eu precisava voltar para casa, prometi a ela que no colégio terminaríamos aquela conversa, voltei para casa correndo, já passava das vinte e duas horas, eu tinha certeza que minha mãe iria reclamar. Ao chegar percebi que meu pai já estava em casa, jantei com ele, subi para meu quarto, comecei a escrever como havia sido meu dia e acabei dormindo em meio a tantos papeis. 

Sexta feira, acordei cedo,tomei banho, sai com o caderno em uma mão e uma xicára plástica com café na outra, eu tinha um vicio por cafeina, bebia café ou chocolate quente várias vezes ao dia, geralmente quando estava escrevendo algo. Quando cheguei no colégio a primeira aula já estava no meio, nem entrei na sala, aproveitando que já estava com o caderno na mão, sentei no banco do pátio e comecei a escrever, na verdade compor. Poucos sabiam sobre isso, digamos que quase ninguém, meus textos, minhas músicas e poesias ficavam guardadas em uma lata de leite em pó antiga no qual só eu tinha acesso.
Ouvi gritos , a primeira aula havia terminado. Clara vinha andando pelo corredor do pavilhão em direção ao pátio, seu cabelo ruivo com mechas claras de sol chamava bastante atenção, sua pele alva fazia jus ao nome herdado da bisavó, eu tinha certeza que ela viria sentar ao meu lado, e foi isso que aconteceu:

- Clara ? - disse eu.

- Oi Arthur . -  respondeu ela, com a cabeça baixa.
- O que houve ? Você está estranha. - Perguntei surpreso.
- Nada demais. Coisa minha. - respondeu ela, ainda com a cabeça baixa.

- Tudo bem, se precisar de algo, estou aqui. - Afirmei com toda convicção.


Abracei-a e fiquei alisando o tal cabelo ruivo com mechas claras e cheiro de jasmim, chorando muito, ela retribuiu meu abraço, dobrou um papel colocando-o dentro da mochila e saiu. Eu fiquei sem entender, mas não poderia fazer nada além de dar apoio, seja lá o que fosse. Coloquei o caderno na mochila e fui andando em direção ao pavilhão principal, infelizmente eu ainda teria que assitir quatro aulas. Clara não apareceu mais na sala de aula, fiquei preocupado, seu celular não atendia, no intervalo eu havia procurado por todo colégio, mas não a encontrei. Assisti as outras aulas como quem estava entendendo tudo que os professores estavam explicando, mas  a preocupação referente Clara fazia com que minhas expressões fossem mais fortes que a vontade de não deixar transparecer.
Fazia pouco tempo que eu a conhecia pessoalmente, quando morava em outro bairro não nos falavamos constantemente, afinal, eu não acessava o Messenger todos os dias, ela sempre deixava um comentario nas minhas postagens do blog. Dessa vez fui andando para casa, era um pouco distante, mas ainda tinha esperança de encontra-la  no caminho. Cheguei em casa e nem sinal de Clara.